Convergência tecnológica e de conhecimentos na agricultura

Convergências tecnológicas vão alterar a produção e o mercado agrícola

Convergências tecnológicas resultam da integração de conhecimentos de diferentes domínios para a solução de um problema. Não são propriamente uma novidade entre nós. O simples e já antigo ato de vacinar alguém contra a gripe exigiu, há muitas décadas, a integração de conhecimentos da fisiologia humana e da virologia para a produção da vacina em si, da geologia, química e física para produção da ampola de vidro e da metalurgia e da química fina dos plásticos para a produção da agulha hipodérmica e da seringa.

Eles ocorrem em qualquer setor da atividade produtiva, mas, à medida que a maioria dos fazendeiros já usam celulares e seus aplicativos, a integração de conhecimentos e de tecnologias de diferentes domínios da ciência, notadamente das geociências, ciências da informação, matemática, nano e da genética e biotecnologia, à serviço da agricultura, adquiriu ritmos alucinantes e está permitindo que as fazendas rapidamente migrem de métodos de produção analógicos para métodos digitais.

A convergência de conhecimentos e tecnologias já disponíveis em várias áreas e setores da ciência e tecnologia está alterando o modo de fazer pesquisa & desenvolvimento em busca de soluções para os problemas agrícolas, está transformando máquinas, equipamentos e formas de produção agropecuária, e está criando o mercado agrícola digital.

Fazendas Inteligentes

A produção agrícola já experimenta maior acesso à energia elétrica, com o uso crescente de painéis solares, o que permite vislumbrar a superação dos problemas de comunicação com maior uso de computadores e a integração dos fazendeiros na rede 4G, sua atualização para o padrão 5G e finalmente seu acesso à Internet das coisas (Iot). No Brasil, os produtores serão ainda beneficiados com o lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas e a consequente ampliação do Programa Nacional de Banda Larga.

Assim os produtores agrícolas poderão participar da convergência possível pela integração de geotecnologias, agricultura de precisão, da evolução exponencial da inteligência artificial e de outros recursos computacionais para promover a transformação digital das fazendas, viabilizando o chamado smart farming e as smart farms.

Nelas será possível a aquisição de dados e a supervisão de operações agrícolas em tempo real. Máquinas serão acionadas remotamente ou de forma autônoma, a partir do desenvolvimento de aplicativos para auxiliar pequenos e grandes produtores em tarefas como gestão das áreas agrícolas, manejo de rebanhos, previsão de clima, identificação de doenças, uso de defensivos, irrigação, adequação ao Código Florestal, cotação de produtos e comercialização da produção.

Assim como o vapor e a eletrônica tornaram as máquinas mais potentes, a transformação digital vai torná-las mais autônomas, capazes de implementar decisões com o mínimo de intervenção humana, aptas a coletar dados em plataformas colaborativas ou mídias sociais e a compartilhá-los, permitindo a intensificação de arquiteturas big data, de ferramentas de mineração de dados e o desenvolvimento de algoritmos mais inteligentes e precisos na predição de tendências, safras e riscos.

Benefícios da agricultura digital

As cores e os números correspondem a Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Veja a lista.

A “inteligência artificial” estará presente em inúmeras fases da produção agrícola. Na agricultura e na silvicultura, redes neurais treinadas serão alimentadas por sensores autônomos que permitirão a automação de boa parte do processo de produção, viabilizando sistemas de irrigação digitalmente assistida, agricultura de precisão com aplicação de rotinas pré-programadas, automação e rede de sensores locais para mapeamento de solos, monitoramento de doenças e de variáveis meteorológicas. Novos “drones”, estações meteorológicas, GPS de precisão e câmeras especiais interconectadas poderão captar informações, indicar níveis de produtividade e necessidade de manejos específicos para diferentes talhões das lavouras.

A pecuária poderá se beneficiar do monitoramento remoto contínuo e não invasivo dos animais por meio da visão computacional e da bioacústica. Aliadas a novos processos de produção, como os sistemas integrados (ILPF), essas tecnologias poderão identificar em campo, de forma autônoma, a presença de animais doentes ou feridos ou aqueles que atingiram as metas de peso e cobertura de carcaça. Poderá indicar áreas de pastagens degradadas ou que necessitem da gestão de insumos e outras atividades da pecuária de precisão, essenciais para melhorar a produção, a qualidade da carne e o bem-estar dos animais.

Qual o papel das TICs neste contexto de convergência?

Pesquisadora da Embrapa, Silvia Massruhá fala sobre Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e sobre transformação digital na agricultura.

Com a contínua elevação da capacidade de processamento com os transistores 3D, associadas ao baixo consumo de energia, a indústria poderá desenvolver equipamentos mais baratos e com maiores aplicações agrícolas. Desde que a Nasa criou uma impressora 3D capaz de imprimir peças em metal, vislumbra-se que a indústria poderá disponibilizá-las nas suas concessionárias regionais ampliando a oferta de peças de reposição para máquinas agrícolas e facilitando a manutenção das máquinas na área rural.

Essas máquinas poderão também ser equipadas com vidros de matriz ativa de diodo orgânico emissor de luz (Amoled), flexíveis e dobráveis, que farão a função de telas exibindo previsão do tempo, cotações da bolsa de mercadorias, o progresso das operações agrícolas, e que serão interativas ao toque permitindo videoconferências com consultores remotos.


Obs.: as informações apresentadas nesta página estão devidamente referenciadas no documento completo Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira (PDF).

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Construção da matéria e da vida

A crescente convergência tecnológica mudará a rotina e o rumo das pesquisas agrícolas. De início, a conexão sem fio, nas smart farms, permitirá aos produtores enviar a pesquisadores imagens, bi ou tridimensionais, de amostras de solo, plantas ou insetos, permitindo sua análise e diagnóstico e orientação online e acelerando a identificação e solução de problemas.

Uma das convergências com maior potencial inovador busca integrar as tecnologias que intervêm na construção de dispositivos biológicos e que principalmente manipulam genes; as que, operando na escala nanométrica, intervêm na construção dos blocos da matéria ou na miniaturização dos dispositivos a partir da manipulação atômica; as que operam no âmbito dos processos e sistemas informacionais e comunicacionais e manipulam bits; e as que operam com os processos cerebrais e com neurônios.

Se, há 30 anos, buscava-se alterar um ser, introduzindo um novo gene no seu genoma, por meio da engenharia genética, hoje os problemas requerem o uso da biologia molecular para que se construa um novo ser, transferindo-lhe um conjunto de diferentes genes, com informações completamente novas, ausentes na espécie sob intervenção, não existentes na natureza ou em sequências gênicas modificadas.

A biologia avançada, com a capacidade de sintetizar quimicamente sequências de DNA com alta eficiência e de fazer adições incrementais de genes, permite o desenvolvimento direcionado de novas rotas metabólicas, o controle da regulação gênica, a modulação de características fisiológicas e estratégias de controle do desenvolvimento de plantas.

Com essas ferramentas é possível levar o melhoramento de plantas a altos níveis, conferindo-lhes características de resistência a estresses bióticos e abióticos, de incremento de produtividade, de produção de alimentos funcionais, e de produção de insumos para o setor farmacêutico.

Num passo à frente, com ferramentas de edição gênica mais eficientes, propiciadas pela engenharia genética de precisão, tais como CRISPR, ZFN, ODM e TALEs, busca-se genomas de maneira a modificar o metabolismo de plantas, como no caso dos híbridos de milho que sintetizam amido com 100% de amilopectina e 0% de amilose, ou de cogumelos e maçãs em que a edição de genes específicos inativa a produção das enzimas que causam o escurecimento da polpa, ampliando o tempo de vida de prateleira.

Vai ser possível ligar ou desligar genes?

Pesquisador da Embrapa, Elibio Rech fala sobre futuro da engenharia genética.

Há também grandes expectativas de que a edição genômica ajude a aumentar a população de animais que produzam leite de melhor qualidade nutricional ou que iniba a secreção de proteínas alergênicas, como a beta-lactoglobulina. Por essa técnica conseguiu-se a introgressão do alelo dominante mocho, da raça Angus, que evita chifres, em células de animais da raça Holandesa, de maneira que os animais gerados nasceram mochos. Isto evita o doloroso procedimento de descorna e contribui para o bem estar dos animais.

Uma última grande e determinante convergência se dá na integração da biotecnologia, notadamente as ciências “ômicas”, com a informática, gerando a bioinformática. A evolução da genômica, da transcriptômica, proteômica, e metabolômica, além da análise fenotípica em larga escala dos mais variados organismos, oferece grandes volumes de dados, notadamente em razão do vasto sequenciamento de genes e da identificação das características complexas que eles controlam.

A análise, interpretação, avaliação desses dados em busca de predição e modelagem de novas sequências de genes e de suas funções biológicas, requerem o apoio da estatística, da matemática, da computação e de estratégias de aprendizagem de máquina para estudos de interações gênicas que deverão impactar a produção agrícola, em áreas como nutrição, sanidade e melhoramento genético, resultando em produtos com maior qualidade nutricional e segurança.

O uso da bioinformática para avaliação do patrimônio genético presente no Brasil, não só das espécies de valor econômico conhecido, mas sobretudo da biodiversidade tropical ainda não avaliada reserva grande potencial para o desenvolvimento de produtos agrícolas de alto valor agregado, tornando-se um diferencial para o negócio agrícola do país.

A digitalização da produção agrícola, no Brasil e no mundo, implica a criação de um mercado agrícola digital, transformando as relações de toda a cadeia produtiva porque permitirá melhor compartilhamento de informações entre fornecedores de insumos, produtores de alimentos, fibras e energia, distribuidores, varejistas, processadores, industrias de serviços de apoio e consumidores. Algoritmos e outras soluções digitais vão auxiliar as decisões de produtores e consumidores, conferindo maior eficiência ao sistema de trocas, aumentando a customização dos produtos e reduzindo desperdícios. Estima-se que contratos digitais e criptomoedas reduzirão os custos da intermediação. Maior foco no usuário final, com redução contínua no custo de disponibilização, permitirá que provedores locais de pequena escala sejam mais inovadores e explorem novos nichos de mercado.